Como descobri que era Transexual

Bem, desde os meus 6/7 anos que tenho consciência que sou uma menina, e não um menino, como o meu corpo dita, mas não é isso que está em causa.
O que vou falar é de como tomei conhecimento de que pertencia ao mundo da Transexualidade, e de como me orientei a partir daí, pois como é óbvio, com 6/7 anos, eu não sabia que era uma pessoa Transexual. Eu era "simplesmente" uma menina presa num corpo de menino.

Pois bem, os anos passaram, a menina cresceu e tornou-se adolescente. Vieram as paixões, veio a vontade de libertar uma certa sensualidade, mas isso não era possível.
Entretanto passaram o 7º, o 8º e o 9º anos, os piores da minha vida. Fui gozada, perseguida, humilhada, pela minha turma. Ter de acordar a cada manhã para ir para a escola, era um tormento. Isso era um pequeno pormenor do meu dia-a-dia, tendo em conta os problemas interiores que tinha: auto-estima horrível, falta de auto-confiança, etc.etc.


No Verão após terminar o 9º ano, com 15 anos, fui para casa dos meus tios, no Porto, durante umas semanas.

Eu estava péssima, não aguentava mais esta vida. Não sabia o que fazer, não havia solução. O suicídio tornava-se o meu único "amigo", se é que me faço entender.
"Não consigo continuar a ser assim!", pensava eu.

Heis que de entre a minha ignorância perante o assunto, me veio um pensamento de "Espera lá! Há pessoas que mudam de sexo, essa é a minha única solução!".
Pois, um pensamento super imaturo, é verdade.
De seguida fui à Internet, e pesquisei sobre Transexualidade. Cada palavra que lia sobre o que é ser-se "Transexual" caía-me no coração como se fosse eu a descrever-me. A sério, parecia eu a falar sobre aquilo que sentia.

Ali descobri quem eu era, descobri o motivo para tanta maldição na minha vida, descobri o porquê de tanto ódio a mim mesma.
Vocês podem pensar que isto seria um motivo para ficar "OH, NÃO!!" , mas por incrível que pareça, fiquei feliz. Fiquei feliz porque, pela primeira vez na minha vida, sabia quem eu era. Descobri-me!

Foi então que enviei um e-mail para a ILGA(1), a relatar a minha situação e a pedir ajuda. Eu estava desamparada, estava como peixe fora de água.
Não sabia muito bem onde estava, nem para onde andava.
Depois de uma troca de e-mails com um rapaz bastante simpático, heis que ele me diz que "um casal de Transexuais, aqui de Lisboa, leram o teu e-mail e disponibilizaram-se para falar contigo, para te ajudar", e assim foi.

Gabriel(2) e Marta(2), ambos transexuais, ele de 28 anos, ela de 23. Ele nasceu com corpo de menina, ela nasceu com corpo de menino.

Ele começou o tratamento tarde, e este foi aburdamente demorado. Levou anos, tendo concluído apenas em Janeiro deste ano. Só para a Avaliação Psicológica, foram 4 anos! 4 anos de uma vida gastas nisso, incrível!

Ela começou o tratamento com 19, ou 20, não sei ao certo, mas foi algo assim. O processo dela até correu bem, fez a cirurgia em Março deste ano, com 23. Não foi demorado.

Ambos conseguiram o apoio dos pais, e hoje vivem felizes e em harmonia com a família.

Eles foram as primeiras pessoas transexuais com quem tive contacto, embora via Internet. Foram eles que me mostraram um caminho, foram eles que me ajudaram.
Grande parte da minha paz, sinto que lhes devo a eles. Foram super amáveis comigo, estenderam-me a mão que eu tanto precisava.

Isto foi no Verão de 2008, quando eu tinha 15 anos.

A minha vida mudou, a minha vida finalmente revelou-se.

Esclarecimentos:

(1) ILGA: Associação ILGA Portugal – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero. O site aqui.
(2) Gabriel e Marta (nomes fictícios): casal de transexuais (na altura quase a terminar a transição), os primeiros com quem falei, que me deram apoio desde início, tornando-se uns "maninhos mais velhos".