segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quando a Ignorância fala mais alto - I

Se há coisa que me chateia, é quando há aqueles pseudo-sábios que se acham no direito de ir a público argumentar, falar convictamente, sobre um assunto que não conhecem, e sobre o qual nem sequer se informam decentemente.

Essas pessoas, essas que têm uma "importância", que aparecem em público e dão a entender a sua posição, que falam falam falam, e que são ouvidas e muitas vezes seguidas, deviam ter noção da responsabilidade que isso implica. Sim, porque não é o mesmo que falar em casa, para si mesmo/a. Também não é a mesma coisa que falar para o cãozito, ou o gatito que temos lá em casa. Não.

E o que acontece é que, quando esses pseudo-sábios vêm falar daquilo que não sabem, há muito boa (e má também) gente que acha que realmente a pessoa tem razão, de tal forma que acaba por adoptar a mesma visão, embora superficial, porque a pessoa não tem como defender verdadeiramente uma visão que adoptou nessas circunstâncias.

Um exemplo destes pseudo-sábios é o nosso amigo, e Jornalista por sinal, Mário Ramires, que lá se achou com capacidade para abordar o tema da Transexualidade e de todo o processo legal de mudança de nome e género nos documentos no seu blog, aqui. (gostaria que lessem e deixassem aqui a vossa opinião)





Por entre palavras bonitas, a sua reflexão começa muito bem, muito bem escrita, impecável. O primeiro senão é quando se lembra de dizer o seguinte:

Em conclusão: se a proposta do Governo for aprovada na Assembleia da República e promulgada pelo Presidente, passará a haver homens com órgãos genitais femininos e mulheres com órgãos genitais masculinos.

O que tenho a dizer é o seguinte: estamos a falar de pessoas transexuais, que para mudar o nome e género nos documentos, vão precisar apenas de apresentar uma declaração médica que comprove o diagnóstico de transexualidade, que comprove que a pessoa sofre de Disforia de Género (ou Transtorno de Identidade de Género) e que está em tratamento para resolver a situação. Ora, como é óbvio, um médico especialista na matéria não irá passar tal declaração, nem sequer diagnosticar como sendo um caso de transexualidade, algo que não o seja realmente.
E como é sabido, embora haja muita controvérsia à volta desta questão, uma pessoa Transexual quer ver o seu corpo completamente adaptado ao seu género verdadeiro, incluindo a genitália (este é um tema a desenvolver futuramente no blog).
Portanto, se se estiver realmente perante um caso de transexualidade, a questão da cirurgia genital não estará em causa, e então o receio do Sr. Jornalista não terá razão para existir.


Mais à frente é possível encontrar uma, e provavelmente das maiores pérolas no seu texto, que passo a citar:

A nova lei, no imediato, permitirá a leitura de que está encontrada a fórmula para os casais homossexuais contornarem a proibição – consagrada na lei que entrou em vigor faz meses – de adoptarem menores.
Um casal de homossexuais não pode adoptar, mas se algum dos seus membros mudar de sexo e o casal passar a ser formado por homem e mulher – mesmo que ambos com pénis ou ambos com  vagina – aquela restrição deixa de existir.

Ora, tal como disse anteriormente, nenhum médico especializado na questão irá diagnosticar como sendo um caso de transexualidade algo que não o seja.
Pois, ninguém, mentalmente saudável, "muda de sexo" assim, pura e simplesmente. Ou a pessoa é Transexual, ou seja, sofre de Disforia de Género, ou então, não tem como querer "mudar de sexo".
Não tem como uma pessoa homossexual decidir assim, "mudar de sexo". Nenhum médico lhe dará permissão, se não for uma pessoa com diagnóstico de transexualidade.
Neste caso, só se a pessoa fosse recorrer a cirurgiões clandestinos, correndo enormes riscos (podendo mesmo morrer). Mas nem assim conseguiria, pois lá está, para se mudar o nome/género nos documentos, é preciso o diagnóstico clínico, feito por uma equipa multidisciplinar, a confirmar que se está perante um caso de Transexualidade.
Posto isto, o argumento de MR não tem pés nem cabeça, apenas mostra a tamanha ignorância por parte do Sr. Jornalista.


Mais à frente encontra-se outra frase interessante, que é a seguinte:

O processo reprodutivo continuará obrigatoriamente a ser o mesmo. Não há volta a dar. A Natureza não deixa.


Primeiro: acho super interessante quando as pessoas invocam a Natureza, ou até mesmo Deus, para "explicar" certos aspectos para os quais a pessoa não encontra explicação. É, é isso.
Segundo: O Sr. Jornalista parece equivocado. Vivemos numa época em que, cada vez mais, tomamos conhecimento de que, na maioria dos assuntos, a Natureza não é impedimento. Isto é, não é a Natureza que nos coloca limites; cada vez mais, o progresso tecnológico apresenta-nos soluções nunca antes imagináveis.
Ou digam-me, há alguém no mundo que ainda pense que um bebé se faz a partir de uma relação sexual entre um homem e uma mulher? (isto falando de pessoas cissexuais)
Pois e então todas as técnicas já conhecidas? Aquelas, aquelas medicamente assistidas que dispensam até mesmo o contacto físico entre o pai e a mãe. Pois.


E para terminar, com duas citações:

(...) que não impede a normalidade da vida social e do convívio entre os seus três géneros: homens, mulheres e os chamados guevedoce.

e

Discriminação maior é querer tratar de modo igual o que é diferente. E a diferença só pode ser respeitada quando é reconhecida como tal.
O terceiro género, se existe, não pode ser tratado como um dos dois géneros naturais – é um terceiro género. 

Pois, eu também não conhecia a história doGuevedoche ( e não Guevedoce), mas podem encontrar uma boa explicação no blog do Sr. MR, deixada pelo usuário "# antiparvos" no seu segundo comentário.


Que forma interessante de disfarçar o preconceito. Apelar a uma aceitação da "diferença", e de um "terceiro género", quando no fundo não se quer é ser igualado a essas pessoas "diferentes".
A pessoa tem direito ao seu género. A pessoa identifica-se como homem, ou mulher, e não como um "terceiro género".
Nós, pessoas transexuais, não somos um "terceiro género". Quem nos apelida como tal, é ignorante , pura e simplesmente.
Eu sou Mulher, embora tenha nascido com corpo de Homem. Sou Transexual, uma Mulher Transexual.
Qual o meu género? Feminino, e não um terceiro.




Recomendo que leiam as, sempre tão certas, palavras do usuário "# antiparvos", que é nada mais nada menos do que o nosso querido cirurgião João Décio Ferreira, o único que opera pessoas como nós em Portugal, embora se tenha reformado recentemente.
É uma pessoa incrível, que nos entende profundamente, que nos defende, que nos conhece.
Vale a pena ler.


E vocês, o que têm a dizer?


PS: Também recomendo a leitura deste texto: Os genitais de Mário Ramires. É uma resposta ao tal Sr. Jornalista, Mário Ramires.


     

2 comentários:

Sarah on 16 de setembro de 2010 às 16:02 disse...

ja li e achei absurdo! retrogrado! pena q nao da pra deixar comentarios la! mas deixei no 'genitais de mario ramires'
beijinhus boa semana

Andreia on 16 de setembro de 2010 às 23:48 disse...

Thanks, Sara.
Muito absurdo mesmo! Pena que é assim que se mantém a ignorância neste país.

Beijos e igualmente!

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Sou uma Rapariga Transexual, de 17 anos, numa luta pela sua identidade. Sou sensível, afectuosa, desprotegida, mas lutadora. A minha vida é feita de sonhos e esperanças, mas quero acreditar que um dia vou poder viver como qualquer outra pessoa. Quero acreditar que daqui por pouco tempo serei capaz de ME ser, por inteiro!

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